Autores: Rodrigo Barreto HUGUET(*)
Gustavo Fernando Julião de SOUZA(**)
(*) Residente de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da UFMG
(**)Preceptor da Residência Médica em Psiquiatria Do Hospital das
Clínicas
da UFMG
Summary:
N. is a 18 year-old man who, since three years ago, presents invasive and recurrent
thoughts, some of them with his mother’s voice. Although considering them
as irrationals, he has, under his influence, mental and motor compulsions, with
decrease in interpersonal contact, hygiene care and occupational functioning.
After several therapeutic trials, there was a clinical improvement with clomipramine,
225 mg a day, and risperidone, 4 mg a day.
Von Gebsattel describes the common aspects between the paranoic and obsessive
patients. Hollander and Akiskal remark that obsessive-compulsive disorder represents
a spectrum which varies according the patient’s insight. Some studies
suggest that the addition of risperidone could be useful in patients with obsessive-
compulsive disorder refractory.
Resumo:
Os autores apresentam o caso clínico de um paciente do sexo masculino
de dezoito anos de idade e que há três anos vinha apresentando
pensamentos invasivos e recorrentes, alguns deles sob a forma da voz de sua
mãe. Apesar de considerá-los irracionais, vinha apresentando,
sob sua influência, compulsões mentais, motoras e estereotipias,
evoluindo com déficits no contato interpessoal e familiar, na higiene,
alimentação e atividades produtivas. Após várias
tentativas terapêuticas, houve melhora clínica importante com o
uso de clomipramina, 225 mg/dia, e risperidona, 4 mg/dia. A revisão da
literatura especializada sugere que a adição de risperidona ao
tratamento pode ser útil em casos de TOC refratário.
Introdução:
Autores clássicos como Von Gebsattel(1), Jaspers(2) e Bleuler(3) chamaram a atenção para os aspectos comuns entre o mundo do anancasta e do paranóico. Akiskal(3) afirma que sintomas psicóticos podem ocorrer durante um transtorno obsessivo- compulsivo, não significando um diagnóstico de esquizofrenia, mas sim psicoses afetivas ou paranóides reativas e geralmente transitórias. Segundo Hollander(4) e Akiskal(3), o transtorno obsessivo- compulsivo representaria um espectro variando segundo o insight do paciente.
Relato de caso:
N.V.S. é um jovem de dezoito anos, leucoderma, pálido,
magro, semblante inexpressivo e que relata os seus sintomas evidenciando certa
indiferença afetiva. É solteiro, sem profissão, estudou
até a quinta série do primeiro grau e é natural da cidade
de Santa Rita de Minas, onde reside. Foi encaminhado ao serviço de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas da UFMG pelo Hospital-Dia do Hospital Galba
Velloso em 16/09/96.
O paciente afirma que, quando estava na quinta série, com quinze anos,
“vinha em sua mente”, durante as aulas, a imagem de um colega agredindo-o.
Nesse momento, sentia-se obrigado a apagar a frase que estivesse escrevendo
e a se imaginar agredindo seu colega. Em outras ocasiões, relata que
surgiam em sua mente imagens de vizinhos agredindo sua mãe, tendo que
se imaginar batendo nos vizinhos. Nesse período, apresentou uma lesão
no membro superior direito, tendo sido diagnosticada Leishmaniose e se submetido
a tratamento específico. Relata que seu médico o informou que
poderia ficar com lesões permanentes no membro superior e, principalmente,
no nariz. Diz que sua mãe discutia com os outros sobre sua doença,
mas não comentava sobre isso com ele, motivo pelo qual passou a ter medo
de ser portador de câncer, tendo também “ouvido falar”
sobre “amputação de braço”. Desde então,
começou a “imaginar” o braço amputado, tendo que,
para obter alívio, repetir o movimento que estivesse fazendo no momento
de maneira invertida e imaginar o braço sadio. Passou a ter pensamentos
onde se via morto num caixão. Nessas ocasiões, tinha que imaginar
pelo menos duas pessoas no caixão, usualmente seus irmãos, e se
imaginar com o nariz sadio.
Nos três anos subsequentes o paciente parou de frequentar a escola. Fazia
a matrícula e comparecia às aulas no início do ano, mas
depois interrompia, pois dizia que não “aguentava prestar atenção
em nada”. Atualmente, o paciente encontra-se sem se alimentar adequadamente,
ingerindo apenas sopa. Constantemente, relata que “a voz da mãe
vem à sua mente” do seguinte modo: “o N. está com
câncer no nariz”. Para obter alívio, precisa repetir o movimento
que estiver fazendo de maneira invertida, e repetir mentalmente a frase ao contrário:
“riz-na no cer-cân com tá-es N. o”. Segundo a mãe
e a irmã, o paciente faz gestos estranhos ao atravessar a rua e passa
grande parte do tempo em frente ao espelho. N. diz que precisa ficar olhando-se
no espelho para certificar-se de que seu nariz está sadio.
Procurou atendimento médico em Caratinga, sendo-lhe prescrito imipramina,
75 mg/d, e haloperidol, 5 mg/d, apresentando episódio compatível
com distonia aguda e procurando atendimento no hospital Galba Velloso.
História pregressa: nega tabagismo, uso de drogas, doenças, convulsões. Etilismo ocasional.
História pessoal: o paciente tem oito irmãos, sendo o mais novo. O mais velho tem 36 anos. Tem um relacionamento distante com a maioria dos irmãos, relacionando-se melhor apenas com uma irmã que reside em BH. Não conversa com seu pai, segundo ele, porque este agride sua mãe. Até os 15 anos, havia repetido apenas uma vez o ano letivo, na terceira série. Nunca manteve relações sexuais, relatando apenas quatro envolvimentos amorosos fugazes com meninas.
História familiar: Prima com depressão.
Exame do estado mental: paciente com boas condições de higiene, com um boné na cabeça, emagrecido, cooperativo. Fala sobre seus sintomas com algum constrangimento e demonstrando sentir estranheza em relação a eles. Relata pensamentos invasivos e recorrentes, além de uma voz que “vem à sua mente”, que, apesar de ser a voz de sua mãe, reconhece como “produto de sua mente”; considera os pensamentos como irracionais, porém, sob sua influência, apresenta compulsões mentais e estereotipias.
Súmula psicopatológica: Paciente emagrecido, cooperativo, orientado no tempo e espaço, consciência clara, normovígil, normotenaz, memória preservada, relato de pensamentos de cunho obsessivo, eutímico, crítica presente, inteligência compatível com seu grau de instrução.
Evolução do caso: foi instituído tratamento
com clomipramina, até 225 mg/dia, sem melhora clínica, porém
com uso irregular da medicação. Reduzida a clomipramina para 150
mg/d e instituído flufenazina, até 4 mg/dia. Evoluiu inicialmente
com melhora das estereotipias e do convívio social, passando menos tempo
em frente ao espelho. Relatou melhora na alimentação, apesar de
não comer carne e nem arroz porque, quando o fazia, “vinha a voz
à sua mente”; “o N. vai ter câncer no nariz”.
Em 5 meses de tratamento, apresentou piora clínica, relatando um novo
sintoma: quando olhava para algo que tivesse ângulos, como a letra M,
tinha que contar todos os ângulos do objeto 9 x 9 vezes, o que lhe consumia
bastante tempo. Efetuado aumento da clomipramina para 225 mg/dia, mantida a
flufenazina a 4 mg/d. Paciente nega melhora clínica, usando regularmente
a medicação, e relata novos sintomas; ao ver um toco de cigarro
no chão, precisa pisá-lo e raspá-lo para trás e
para frente várias vezes; ao passar por uma porta, precisa retornar e
passar novamente por doze a dezoito vezes, sempre sob a influência da
“voz”. Relata que, às vezes, não necessita fazer os
atos que a “voz” lhe ordena, podendo “ficar devendo”.
Outras vezes, a “voz” lhe diz: “você pode não
passar pela porta doze a dezoito vezes, mas não irá se masturbar”;
ou “não irá ter relações sexuais este ano”.
Retirados a flufenazina e anafranil, instituído haloperidol e paroxetina,
o qual foi suspenso em dois meses por baixa tolerabilidade e dificuldades em
comprar a medicação. Efetuado aumento do haloperidol até
12,5 mg/dia, com melhora parcial significativa das “vozes” e dos
atos compulsivos.
Relatando que o haldol lhe causava desânimo, paciente suspende a medicação.
Retorna após dois meses com piora significativa; não tem tomado
banho ou escovado os dentes, estando com mau cheiro, irritado, não conversa
com os parentes, não se alimenta de carne ou arroz. Tem “ouvido”
constantemente as “vozes”, sempre de sua mãe, dizendo : “você
é canceroso”, ou “você vai ter câncer no nariz”,
tendo que repeti-las de trás para frente por várias vezes. Relata
movimentos circulares involuntários ocasionais, de seus braços,
“causados por sua mente”, os quais ele tem que repetir ao contrário.
Não usa o banheiro de sua casa há três meses; usa sempre
o banheiro da casa da irmã. Instituído fluoxetina, 20 mg/d, por
um mês, sem melhora clínica. Suspensa a fluoxetina, instituída
clomipramina, aumentada até 250 mg/dia, associada a trifluperazina, aumentada
até 12,5 mg/dia. Paciente evoluiu com melhora clínica importante,
passando a tomar banho e escovar os dentes diariamente, alimentar-se de carne
e arroz, mais comunicativo e sociável, passando a exercer atividade produtiva,
trabalhando na mercearia de um primo. N., porém, sempre mantinha os pensamentos
intrusivos sob a forma da “voz” de sua mãe e as compulsões
mentais.
Ocorreram pioras clínicas quando o paciente envolveu-se em complicações
com a polícia após seu primo haver furtado um desodorante de um
supermercado e terem-se envolvido numa briga com o funcionário do caixa,
e quando o paciente, por “esquecimento”, reduziu a dose da trifluperazina
para 5 mg/dia. Nessa ocasião, desenvolveu um novo sintoma: sempre que
ouvia a “voz”, o paciente tinha que cuspir, não importando
onde estivesse. Algumas vezes cuspia no chão de casa ou na própria
roupa. Parou de escovar os dentes; sempre que o fazia, “surgia na sua
mente” a voz da mãe dizendo: “o N. está com caroço
maligno debaixo do braço” ( isso passou a ocorrer depois que o
paciente teve um “caroço” na axila direita ). Tinha então
que repetir a palavra “maligno” ao contrário - “noglima”
- enquanto isso, não podia parar de escovar os dentes, o que lhe tomava
cerca de dez minutos. Para evitar o trabalho, não os escovava. Quando,
passando por algum lugar, “ouvia a voz”, tinha que ficar desenhando
“setas” com o pé no chão, em direção
contrária a esse lugar.
Como o uso da trifluperazina, em doses de 12,5 mg/dia, não resultou em
melhora das “vozes” e das compulsões mentais, apesar de melhora
comportamental, optou-se pela sua substituição por risperidona,
3 mg/dia, associada à clomipramina, 225 mg/dia. Evoluiu com melhora do
comportamento significativa, e cessaram as compulsões mentais; quando
“ouvia a voz”, não tinha mais que repeti-la, tinha “somente”
que andar para trás e cuspir no chão, o que, segundo o paciente,
vinha atrapalhando sua locomoção ( não observado ao exame
).
Aumentada a risperidona para 4 mg/dia. Retornou relatando redução
das “vozes” e das compulsões mentais, sem transtornos da
alimentação ou higiene, estando porém há 15 dias
usando somente clomipramina. Recomendamos que reiniciasse a risperidona. Retornou
dois meses após, em janeiro de 1999. Havia interrompido a risperidona
há um mês, e vinha em uso irregular do anafranil. Relatava uma
piora importante; tudo o que falava, tinha que repetir mentalmente ao contrário;
quando lia algo, tinha que ler de novo ao contrário. Porém, negava,
pela primeira vez desde o início do tratamento, estar sendo importunado
pelas “vozes”.
Resultados de exames:
TC de crânio, EEG, ECG, hemograma: sem alterações.
HD: Transtorno obsessivo-compulsivo, forma mista, com idéias obsessivas e comportamentos compulsivos F42.2 CID-10
Discussão:
Uma síndrome caracterizada pela presença de obsessões
e compulsões tem sido reconhecida há mais de três séculos.
Tem sido chamada de scruples (escrupulosidade), melancolia religiosa, folie
de doute (loucura de dúvida), neurose obsessiva- compulsiva e, mais recentemente,
transtorno obsessivo- compulsivo.
Já na mitologia grega, podemos encontrar uma analogia ao mundo obsessivo
no mito de Sísifo; segundo a lenda, Sísifo, rei de Corinto, tendo
escapado astuciosamente a Tânatos, Deus da morte, enviado por Zeus para
castigá-lo, foi levado por Hermes ao inferno, onde o condenaram ao suplício
de rolar uma rocha até o cimo de um monte donde ela despencava, devendo
o condenado recomeçar incessantemente o trabalho. O suplício de
Sísifo equivale a um trabalho esgotante e inútil, pois uma vez
terminado, tem que recomeçar eternamente (5).
Em um ensaio ainda inédito, o professor Gustavo Julião (6) propõe
que uma visão antropológica poderia permitir uma melhor compreensão
do adoecer psíquico e impedir seu distanciamento das formas legítimas
de expressão humana. Sabe-se que em alguns povos primitivos, o temor
a uma “invocação dos mortos” levava-os a evitar toda
e qualquer menção ao nome do defunto, inclusive palavras ou sílabas
onde houvesse alguma assonância com o nome do morto. Uma criança
recém- nascida, um cadáver ou um guerreiro que houvesse matado
inimigos tornava-se um objeto tabu, não podendo ser visto ou tocado até
que fossem concluídos os rituais de purificação, sob pena
de que terríveis castigos sobrenaturais se abateriam sobre um ocasional
infrator, ou mesmo sobre a tribo inteira. “O homem primitivo, desse modo,
via-se diante de um mundo povoado de perigos e ameaças sobrenaturais
que lhe exigiam uma imediata e eficaz auto- proteção, a qual,
por sua vez, consistia na realização incessante e ordenada de
rituais mágicos minuciosos e complexos”(6).
Segundo Gebsattel, em seu livro de Antropologia Médica(1), o que é
fascinante no encontro com o homem obsessivo é o inexplorado e, talvez,
o inexplorável de sua diferente forma de ser. A lucidez com que o obsessivo
conhece seu transtorno sem, no entanto, chegar a dominá-lo, torna mais
patente o paradoxo de sua existência e aumenta a inquietude do interesse
psiquiátrico.
O doente obsessivo, segundo Jaspers(2), é perseguido por idéias
que lhe parecem não só estranhas, mas insensatas, e das quais,
no entanto, não pode livrar-se, como se correspondessem à verdade.
Por exemplo, tem que fazer alguma coisa, sob pena de uma pessoa morrer, ou acontecer
alguma desgraça, ou simplesmente ser acometido de ansiedade extrema.
Estabelece uma forma especial de relação mágica com o mundo,
como se o que ele faz ou pensa pudesse impedir ou provocar algum acontecimento.
Elabora, então, seus pensamentos de modo a formar um sistema de significados,
e seus atos, um sistema de cerimônias e ritos, apesar de que qualquer
ação que pratique lhe deixa dúvida, obrigando-o a recomeçar
do princípio. A manie de précision e a folie de doute do anancástico
levaria a um transtorno, segundo Gebsattel(1), na sua própria estrutura
de tempo, a uma inibição no “chegar a ser” do paciente,
impossibilitado de concretizar os projetos a que se propõe.
Von Gebsattel(1) compara o mundo do anancástico com o do paranóico;
ambos vivem em um mundo privado de inocuidade, no qual acontecimentos sem importância
adquirem peculiares significados. Não existem casualidades sem importância,
mas somente intenções. O doente obsessivo, porém, reconhece
como absurdo esse mundo falso que determina sua conduta, e portanto experimenta
seu comportamento como forçado e sem liberdade. O paranóico, pelo
contrário, se deixa levar naturalmente por seus conteúdos delirantes.
Akiskal(3) sugere que a tradição de se considerar a síndrome
obsessiva- compulsiva como “neurótica” tem levado a uma subvalorização
de aspectos da síndrome que mais parecem psicóticos. Algumas das
primeiras descrições estabelecem conexões intrínsecas
entre esses sintomas e estados psicóticos. Em 1660, Jeremy Taylor descreveu
um paciente cujos pensamentos intrusivos ego- distônicos sobre ter pecado
“evoluíram” para uma crença delirante de que realmente
havia pecado, e que a sua escrupulosidade de consciência era uma punição.
Westphal dizia que a obsessão, por seu conteúdo irracional, representava
uma desordem fundamental do pensamento, e chamava a síndrome obsessiva-
compulsiva de abortive insanity. Bleuler concordava com Westphal que a síndrome
obsessivo- compulsiva seria uma variante ou um pródromo da esquizofrenia.
Superficialmente, ambas compartilham alguns aspectos clínicos; ocorrem
em idade precoce, são crônicas, não remitem e envolvem pensamentos
intrusivos e comportamento bizarro(3).
Rosen(3), em um estudo de revisão de 848 pacientes esquizofrênicos,
mostrou que 3,5% tinham sintomas obsessivos importantes. Estudos de follow-up
de pacientes com transtorno obsessivo- compulsivo mostraram que 20% desenvolveram
sintomas psicóticos, apesar de ser extremamente raro o preenchimento
de critérios diagnósticos para esquizofrenia. Akiskal(3) diz que
a mudança de uma obsessão para um delírio ocorre quando
a resistência interna contra as idéias obsessivas é abandonada
e o insight é perdido. Isso poderia ocorrer de duas formas; uma forma
afetiva, quando o medo de contaminação é substituído
por uma culpa delirante de que o paciente contaminou ou pode contaminar outras
pessoas, e uma forma paranóide, quando dúvidas sobre haver cometido
algum ato repreensível são substituídas pelo delírio
de que o paciente estaria sendo perseguido por realmente haver cometido atos
condenáveis. Cita dois casos clínicos nos quais a transição
de uma obsessão para um delírio foi precipitada por um evento
estressante, o período de sintomas psicóticos foi circunscrito
e reversível, e não houve evolução subsequente para
esquizofrenia(3).
Há ainda pacientes com síndrome obsessiva- compulsiva com características
que parecem psicóticas, não como uma reação circunscrita
ao stress, mas como um aspecto intrínseco de sua doença. Em casos
severos da síndrome obsessivo- compulsiva, o insight do paciente sobre
suas ações é tão precário - apesar de protestos
intelectuais do contrário - que eles podem não enxergar os vários
danos que podem advir de seu comportamento. Em um caso trágico, um professor
com fobia de contaminação causou a morte de seu filho de 7 anos,
de tanto lavar a sua pele com produtos químicos para “o limpar
das substâncias impuras”(3).
Em outros pacientes, pensamentos repugnantes têm um caráter tão
intrusivo que são descritos como vozes acusatórias internas, repetitivas
e semelhantes ao pensamento, podendo ser melhor descritas, segundo Akiskal(3),
como “pseudo- alucinações” (senso lato). Nesses casos,
os rituais que o paciente elabora como resistência podem ser mais incapacitantes
do que os próprios pensamentos obsessivos.
Akiskal(3) diz que, assim como nos transtornos do humor, sintomas psicóticos
podem ocorrer durante um transtorno obsessivo- compulsivo, não significando
um diagnóstico de esquizofrenia, mas psicoses afetivas ou paranóides
reativas e geralmente transitórias. Além disso, o transtorno obsessivo-
compulsivo representaria um espectro variando segundo o insight do paciente.
Aqueles casos mais severos, no fim do espectro, poderiam ser melhor descritos
com tendo uma “psicose obsessivo- compulsiva” (3).
Segundo Hollander(4), enquanto as obsessões e compulsões são
o sine qua non do transtorno obsessivo- compulsivo, pensamentos obsessivos e
rituais compulsivos são vistos em várias outras doenças,
fazendo surgir o conceito do “espectro obsessivo- compulsivo”. Essas
doenças são caracterizadas por pensamentos obsessivos ou preocupações
com aparência corporal (transtorno dismórfico corporal), sensações
corporais (despersonalização), peso (anorexia nervosa) ou doenças
(hipocondria); ou por comportamentos estereotipados ou ritualísticos
como tics (síndrome de Tourette), tricotilomania, compulsões sexuais,
jogo patológico, ou outros transtornos do impulso. Apesar das tentativas
psiquiátricas serem primariamente de classificar estes transtornos em
categorias, sabe-se que aspectos dimensionais de vários espectros também
podem ser identificados(4).
Cerca de 40% dos pacientes com TOC são resistentes ao tratamento convencional
com inibidores de recaptação da serotonina. A terapia comportamental
tem um papel adjuvante importante no tratamento, principalmente em pacientes
com predomínio de rituais compulsivos. Psico- cirurgia tem sido indicada
em casos graves de TOC refratária, com melhora de até 25 a 30%
dos pacientes(7).
Em revisão da literatura, encontramos cinco artigos nos
quais a risperidona foi utilizada como adjuvante aos inibidores da recaptação
da serotonina em pacientes com TOC refratário (não fazem referência
à presença ou não de sintomas psicóticos). Em dois
desses estudos(8,9), o número de pacientes era muito pequeno (3 e 5 pacientes
com TOC refratário), mas 100% tiveram melhora com a adição
de risperidona. Em um estudo de Saxena(10) de 1996, 14 de 16 pacientes com TOC
refratário (87%) tiveram melhora nos sintomas obsessivo- compulsivos
após 3 semanas da adição de risperidona ao tratamento,
com dose média de 2,75 mg/dia. Ravizza(11) publicou um trabalho em que
7 de 14 pacientes refratários tiveram melhora clínica após
a adição de risperidona a 150 mg de clomipramina. Andrade(12)
sugere que a risperidona potencializaria a ação serotoninérgica
e dopaminérgica dos ISRS, o que poderia ser terapeuticamente relevante.
Todos os artigos sugerem que a adição de risperidona pode ser
útil em pacientes com TOC refratário, sendo necessários
estudos controlados com maiores amostragens de pacientes. Há alguns relatos
de caso evidenciando piora dos sintomas obsessivos com o uso de antipsicóticos
atípicos, porém isso parece ocorrer com muito mais frequência
na esquizofrenia com sintomas obsessivos do que em pacientes com TOC primário(13).
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Residência de Psiquiatria da UFMG, Hospital das Clínicas.
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